Deitada, eu comecei a pensar sobre os tetos que já passaram em minha vida. Teve o primeiro teto que me lembro, o qual era bem próximo de mim… era feito de telhas, e eu dormia numa beliche. No frio era bem fresco, no calor era insuportavelmente quente.
Teve aquele outro teto que pingava em dias de chuva. Eu tenho quase certeza que é por isso que o registro de que São Paulo “era” a cidade da garoa está tão vivo na minha cabeça. Quando eu era criança, muitas das minhas lembranças têm chuva.
Os tetos avançaram, um pouco mais estável, houve um teto branco. Mas, com a parede frágil, ocasionando a quebra de minha televisão preferida, porque os buracos realizados não a suportaram.
Vieram os tetos de laje 1, laje 2, laje 3… até que ainda que a casa dos meus pais tinha de tornado estável e demasiado grande, eu não mais cabia naquela moradia. Fui buscar meus próprios tetos.
Brancos e temporários. Na zona oeste, no centro, na periferia, até voltei para a casa dos meus pais nesse meio tempo… saindo logo em seguida. Se puderem, não voltem para a casa dos pais depois de tanto tempo. Se puderem, voltem. Tudo depende da página que estão e das expectativas com a própria vida.
Os tetos de hotéis são parecidos com os tetos da maioria das casas que já vivi. Os de motéis, não são.
O teto é a visão de quem está deitado, o chão, de quem está de pé. Gosto dessas lembranças porque elas me fizeram sonhar no passado e ainda provocam esse efeito no presente.
Não lembro em qual das casas, mas cheguei a colocar estrelas nos meu teto. Talvez tenha sido na casa em que o teto da cozinha cedeu.
Eu me sinto velha não por minha idade, mas por vivências. Ainda que haja objeções, hoje até que eu desacelerei e comecei a aproveitar a vida em sua essência.
Olhar para cima fome permite apreciar e agradecer, aos meus pais pelo trabalho de fornecer os tetos imperfeitos e essenciais, a mim mesma, por criar novas possibilidades de ser e estar.
O compartimento – casa – que a vida urbana permite que a gente vive, diz mais sobre a sociedade em que estamos inseridos do que sobre o que de fato deveríamos ter.
Ailton Krenak em muitas de suas falas e ensaios reflete sobre sua etnia e nossa própria existência de modo que, eles têm ancestrais, inclusive o próprio rio é um deles. O sistema capitalista e suas corporações estirpa a vida natural dos povos originários, com a finalidade de tornar lucro e gerar artificialidades. Nesse contexto, os urbanóides têm muita dificuldade em acessar o verdadeiro significado da vida.
Ailton me faz lembrar de quando eu era pequena e pulava corda na rua. Da simplicidade de uma vida mais afastada do grande centro da Cidade de São Paulo. As casas nos bairros são casas e têm vizinhos conhecidos, daqueles que choram no enterro de meus familiares tanto quanto eu choraria no enterro dos familiares deles.
Na metrópole, os compartimentos — apartamentos — , não se sabe quando alguém chega, parte ou perece. O silêncio urbano onde só os motores dos veículos são notados.
Meu teto me traz um conforto temporário… essa casa não é definitiva e ela faz parte de um contexto de escolhas. Eu espero que o meu teto possa ser mais um céu estrelado, que o chão possa ser mais de grama, e ao meu redor, haja mais seres vivos do que concreto.
Gosto de sonhar com um futuro biotecnológico, ainda que a sociedade precise amadurecer muito para enxergar essa possibilidade.
Acordei naturalmente cedo e com a sensação maravilhosa de que eu estou viva. Tomei um banho para despertar, e ao invés de voltar a dormir — como na maioria das vezes. Voltei para cama. Tudo isso para poder olhar para o teto e cuidar de minhas próprias memórias.
(Jennifer Ernesto, 26 de novembro de 2020)
			



