Hoje, eu escrevo porque preciso. Não é por amor, não é por competência. Não é porque profissionalmente compito para isso. Escrevo porque preciso e porque mandaram que eu escrevesse.
Sorte a minha que hoje as pessoas leem pouco ou nem leem. Que elas saltam os olhos até o fim das páginas. Que elas desistem quando veem palavras, seja por cansaço, desinteresse ou ignorância. É que escrever nem sempre é de bom tom. As vezes abre ferida, as vezes aperta, nem sempre afaga. E, digo mais… a escrita demonstra muito das saudades de versões que até me esqueci que tive.
Para lembrar dos anos anteriores da minha vida, é mais fácil recorrer aos escritos do que as memórias. Porque as memórias são peçonhentas. A gente vai sobrepondo sentimentos presentes, passados e os desejos de sentimentos e suprimindo-os numa só linha, como se fossem atemporais. Já os escritos são registros imutáveis. Memórias são como espelhos, pouco confiáveis porque dependem dos ângulos, dos momentos e dos prenúncios.
Isso quer dizer que a nossa memória está super afetada pelo que acontece coletivamente. Meu coração dói, Minha cabeça não descansa, meu corpo grita por uma cama eterna… não é que eu não goste de viver, eu gosto muito, é que cada dia tem sido mais difícil suportar a dor da existência. A dor da construção individual el conjunção com a construção coletiva. A coletiva rui para o meu povo… eu vejo desgraça, eu vejo discórdia, eu vejo consanguinidade desequilibrada… e não só vejo, como sinto tudo isso.
Pausa pequena para ressaltar que eu estou em processo psicanalítico há 5 anos, com uma psicanalista renomada… e que sou uma mulher negra fora dos padrões esperados pela sociedade. Então, essa angústia não vem de uma pessoa que recebe o chá de sua empregada enquanto reflete sobre a existência. Mas, também não vem de uma mãe solteira que sofre violências domésticas constantes dos seus parceiros… esse texto não vem de uma voz estigmatizada e estereotipada. É um texto de um lugar geográfico, sócio, político e econômico. Tem dor e tem vitórias. E, feliz ou infelizmente, hoje estou falando de dor.
Eu tenho remoído a morte da minha avó desde 2019 porque para mim àquilo foi uma denúncia de que meu povo não tem direito à saúde, e não estou falando apenas de saúde física. Eu tenho remoído minha história ancestral há muito tempo, e para mim as coisas só tem feito sentido quando eu entro em contato com a terra, com o corpo verdadeiro de outrem e com os espíritos.
Os desencarnos estão doendo, estão machucando… é muita tristeza e desespero. Em contrapartida, é muita festa daqueles que a coletividade e a vida não tem quaisquer significados.
(Continua)
			



