Quando eu era criança, eu queria ser bailarina. Era um sonho profundo referente à dança e a leveza do corpo que a minha origem social e a minha cor de pele não me permitiram viver. Já tive pesar sobre a frustração desse sonho, hoje, essa lembrança é apenas uma referência de que tenho muitos desejos, muitos não se realizarão e outros, sim.
Realizei o sonho/desejo de me graduar e ter uma profissão de renome e de respeito, em contrapartida ao sonho de ser professora. Também virei professora, mas nas horas extras e horas de descanso, não gostei muito dessa configuração.
Os sonhos dos paulistanos têm muito a ver com trabalho, né? Ou será que tem a ver com a minha cor, gênero e classe social? Não sei ao certo, apesar de eu estudar filosofia do direito com enfoque no pensamento da interseccionalidade. Ao contrário dos meus colegas de profissão, eu acredito que têm coisa que as respostas complexas respondem menos do que as respostas simples. Eu acredito que sonho e desejo tem muito a ver com as perspectivas que a gente têm da vida, os afetos e as autoestimas. Esse pensamento vai muito mais para um lado psicanalítico do que para o lado filosófico.
E, neste contexto de sonhar fugir de uma vida de pobreza, de restrição de gênero e raça, eu fui sonhando ser incluída na sociedade do trabalho. Sentir-me inclusa é diferente de estar incluída. É um pêndulo. Há dias que sou incluída, há dias que não. Eu desconfio que a maturidade e o bem viver tem um pouco a ver com a dança desses status de poder que todos nós carregamos.
Então, acontece que agora meus sonhos pouco têm a ver com trabalho. Já faz um tempo e tem sido um processo muito intenso e curioso de se lidar. Isto porque, trabalhar dignifica o homem (?) Então, se não tenho desejo de trabalhar — apesar de ser uma ótima profissional, o que isso pode dizer sobre mim?
Pode dizer que eu sou anticapitalista, mas esse texto nem é sobre isso. É sobre sonhar outras coisas, independente do capital cultural que eu tenho. O qual também é uma outra teoria que vai explorar para além das questões de classe, mas as imbricações da cultura e do acesso que os seres humanos têm nas relações sociais.
Eu quero viajar, mas não quero deixar de trabalhar. Mas, eu não quero uma rotina comum 24×7 & 8 horas por dia. Eu quero cumprir meu papel social de trabalho e de sobrevivência podendo desfrutrar mais do que problemas cotidianos e contas para pagar. E, ao mesmo tempo, eu quero continuar ascendendo socialmente. Acesso para mim é sobre ser feliz numa simplicidade e sustentar desejos de conforto.
Um café. Um almoço. Uma risada. Muitas reflexões e fotos de baixa qualidade.

E, isso eu percebi quando notei que eu não estou usando nem 30% do que eu coloquei na minha mala. Eu pensei: que erro o meu! O meu amigo me disse: Jê, são experiências! E, nessa experiência, que vontade a minha de desfazer de 80% das coisas que eu trouxe. Bom, até o fim da viagem, eu saberei o que vale a pena: a energia para doar/desfazer/despachar ou suportar o erro para ser experiente, e fazer melhor da próxima vez.

Ainda, a anfitriã da casa de Paraty que fiquei hospedada me disse: “eu tenho um amigo que antes de casar, viajou com a esposa para ver de a relação daria certo. Ele fez isso com três noivas.” Se a história é verdadeira ou não, jamais saberei, mas de uma coisa é certa: nem tanto sobre rotinas, mas como as pessoas costumam tratar os prestadores de serviço diz bastante sobre o caráter e compatibilidade.
Hoje, eu estou na metade dos dias planejados, e apesar das dificuldades de comunicação e diversas aprendizagens dos meus atuais limites, é notável a transformação do meu caminho onírico, dos meus sonhos.
Tenho gostado de aprender a sonhar e ver mais possibilidades para mim além do trabalho e sua função social, é bem bom poder celebrar os prazeres simples da vida e, as mudanças de perspectivas que estar viva e crescer pode proporcionar.
Em cada lugar que eu passo, eu sempre gosto de ir mais de uma vez, para mim, viagem é mais do que se deslocar de um lugar ao outro, mas assim como as relações, é gostoso permitir uma certa demora e intimidade em cada lugar.
Altos vôos em 2023.

Jennifer Ernesto
Rio de Janeiro/RJ
05.01.2023
			



