Tudo sobre o amor, novas perspectivas — bell hooks é um livro que foi publicado nos anos 2000 nos Estados Unidos, mas foi traduzido apenas 21 anos depois para o português e publicado no Brasil. Como acadêmica e estudiosa, entendo que este destaque é importante de ser feito. Apesar do livro ser bastante popular nas discussões políticas sobre o amor, o livro já conta de quase 25 anos de sua primeira publicação. Além disso, o livro tornou-se uma trilogia, o qual tem 2 sequências: “Salvação: pessoas negras e o amor” e “Comunhão: a busca das mulheres negras sobre o amor”.
Eu já leio bell hooks há um tempo, mas quando li Tudo sobre o amor, eu sofri de um apaixonamento terrível. Eu senti que pela primeira vez alguém compreendia os meus conflitos amorosos, de amizade, familiares, afetivos… o livro foi alvo de conflito em terapia, quase rompi com a minha psicanalista, porque para mim, parecia absurdo que as respostas que eu havia encontrado na escrita de bell hooks não estavam alinhadas com a perspectiva analítica que a minha analista tecia sobre mim — mesmo que já tínhamos uma caminhada de mais de 7 anos na época. Eis o risco do apaixonamento de ideias e ideologias.
Em 2024, eu me aventurei na vivência em um clube do livro sobre o amor. Primeiro, nós lemos Brigitte Vasallo (O desafio poliamoroso), depois, foi acatada a minha sugestão de ler bell hooks (Tudo sobre o amor) e agora o clube iniciará a leitura de Janet W. Hardy e Dossie Easton (Ética do amor livre: Guia prático para poliamor, relacionamentos abertos e outras liberdades afetivas)… No entanto, os amores e apaixonamentos me atravessaram tanto que eu mesma me senti sufocada pela temática do amor.
A psicóloga Ana Suy escreveu “A gente mira no amor e acerta na solidão”, um livro que tem a finalidade de elaborar alguns conceitos psicanalíticos sobre o amor e o apaixonamento. Em sua obra, nós temos pistas sobre os motivos dos encontros e desencontros amorosos. É um livro que merece uma releitura e uma resenha à parte.
Prefácio de Tudo sobre o amor
“Quando eu era criança, tinha clareza de que não valia a pena viver se não conhecêssemos o amor. Quem me dera pudesse dizer que atingi essa consciência por causa do amor que sentia. Foi sua falta que me fez saber o quanto ele é importante. Fui a primeira filha do meu pai. Assim que nasci, fui acalentada e tratada com gentileza, de modo a me sentir querida neste mundo e em minha casa. Até hoje não consigo me lembrar do momento em que esse sentimento de ser amada me deixou. Só sei que, um dia, eu já não era preciosa. Aqueles que inicialmente me amavam se afastaram. A ausência de seu reconhecimento e de sua atenção perfurou meu coração e me infligiu uma dor tão profunda que fiquei zonza.”
Eu gosto que bell hooks (2000) inicia a sua reflexão sobre como foi sentir o amor em sua infância e de repente perdê-lo. O trecho nos dá a entender que o amor foi uma experiência dada e depois arrancada de sua experiência. Aqui, compreendo o amor como uma forma de nutrição e tratamento, apesar de que ela não conceitua o que vem a ser o amor. Temos que “ser acalentado e ser tratado com gentileza” é uma experiência amorosa. E, “já não ser mais preciosa” é uma experiência de desamor.
Ao longo do breve prefácio ela traz conceitos como luto, tristeza, dor e cura. Depois, tem-se a busca pelo amor, como algo externo… como algo a ser ofertado pelo outro.
Para enfim encerrar o prefácio da seguinte forma:
Despertei do meu estado de transe e fiquei atordoada ao descobrir que o mundo em que eu vivia, o mundo do presente, já não era um mondo aberto ao amor. E percebi que tudo o que eu ouvia ao meu redor evidenciava que o desamor tinha se tornado a ordem do dia. Sinto nosso país se afastando do amor com a mesma intensidade que senti o abandono do amor na infância. Com esse afastamento, nos arriscamos a penetrar em um quadro de selvageria de espírito tão intensa que talvez jamais encontremos o caminho de volta. Escrevo sobre o amor para dar testemunho do perigo desse movimento e também para convocar um regresso ao amor. Redimido e recuperado, ele nos leva de volta a uma promessa de vida eterna. Quando amamos, podemos deixar nosso coração falar.
O prefácio não conceitua, isto porque o seu objetivo é a narração em primeira pessoa sobre o que o amor significa para bell hooks. E, no fim, há uma análise do afastamento do amor realizado pelos Estados Unidos da América — país de hooks. E o encerramento se dá de forma poética: “quando amamos, podemos deixar nosso coração falar”.
Porque destrinchar 2 (duas) páginas do prefácio deste livro emblemático? Justamente, porque ele foi popularizado como a bíblia do amor, tanto que foi alvo do meu apaixonamento. Agora, volto a ele numa visão científica e conceitual não para diminuí-lo, mas para compreender os caminhos e possibilidades de reflexão em cima dos seus ensinamentos, mas também para dialogar com outras obras as quais possam dar um vislumbre de responsabilidade no amor consigo e com os outros.
Próxima análise: “01. clareza: pôr o amor em palavras”.
Jennifer Ernesto, 17.07.2024
			



