
Título: Mulheres Difíceis
Autor: Roxane Gay
Mulheres Difíceis é um livro eletrizante no qual Roxane Gay reúne vinte (20) contos de sua autoria com a missão cumprida de elucidar as diversas formas que uma mulher performa(ria) seu gênero, sexualidade e quaisquer outras coisas de sua vontade na sociedade.
A interpretação e degustação de um livro estão atreladas a bagagem e contexto dos leitores, eu, enquanto mulher negra lationamericana sinto que a Roxane escreve esse livro para mim e suas semelhantes.
A autora elucida relações amorosas, relações intensas, relações de violência infantil contra o gênero feminino, violência racial, inclusive, aponta sistematicamente as contradições das personagens que vestem essa performance. Quando se descobre que duas irmãs melhores amigas guardam um histórico trágico de violência conjunta, eu engasgo e me deparo com a entrelinha do que não foi dito. Ela pinta a imagem da violência e da complexidade. A minha boca amarga e não há o que eu possa fazer para tirar o gosto, senão a compaixão pela solução que as personagens encontram para suportar a própria vida.
Mulheres difíceis. Mulheres Rodadas. Mulheres Frígidas. Mulheres Malucas. Mães. Meninas Mortas. Todas sentem, todas vivem — ou viveram. Todas performam o ser mulher de alguma forma que sempre estará errado quando se olha pela lente masculina, porque a mulher simplesmente não pode ser.
Entendo ainda que não é uma narrativa maniqueísta, não há bem e mal, há sentimentos, há prazeres e desprazeres em ser mulher e ser gorda e ser negra e ser pobre, as vezes rica, as vezes branca, as vezes só morta. Há a evidente pintura de que mulheres sonham e quererem gozar de sua vida, mesmo que sobrevivendo.
“Enquanto Gus dorme, seguro o braço do bebê e a coxa de bebê, tão duros e lisos e lindos. Penso que quanto mais tempo eu passar namorando Gus, mais partes de bebê ele vai me trazer, e talvez, um dia, tenhamos uma pequena família de partes de crianças de fibra de vidro que nunca vão se transformas em nada além disso.”
Roxane nos surpreende quando coloca uma mulher casada e nova na vizinhança pomposa como uma protagonista ativa e atípica de seu próprio desejo sexual.
“Fui vê-la. A mulher da recepção me analisou longamente. Ela disse:
—Nadia é uma das nossas terapeutas especiais, ela cobra caro.
—Eu sei — disse.
A recepcionista deu de ombros. Logo depois me acmpanharam até a parte dos fundos. Ouvi ruídos interessantes. Nadia tinha um sotaque bem forte, mas falava inglês com facilidade.
—Quer a massagem? Velas? O quê? — ela perguntou.
— Quero trepar. — As palavras pareceram pesadas e estranhas saindo da minha boca.
Para além de situações nostálgicas e intensamente eróticas, há o retrato da violência e submissão na qual mulheres se sujeitam constantemente. Deixando claro que nã há romantismo em erotização, e que muitas vezes as mulheres não conseguem ser testemunhas de seus próprios corpos.
É um livro intenso o qual eu não recomendo que seja lido rapidamente, são histórias que precisam ser digeridas tanto no seu exagero quanto em sua falta. É um convite para todos pensarem os locais e submissões das mulheres bem como um choque para as mulheres que se encontram em cada um dos papéis à reflexão de si mesmas.
“Carolina tirou a carta do bolso e encostou a ponta do papel na chama de um isqueiro, depois jogou a carta em chamas pelo ar. Ficamos deitadas na pista de mãos dadas. A chama ficou branca, depois apagou. As cinzas foram caindo no chão devagar, flutuando nas nossas rouppas, nos nossos rostos, nos nossos ouvidos surdos, nas nossas línguas mudas.”




